Quando nos encontramos

Escrever: para mim, para os outros ou para nós? Escrevo às vezes porque sinto que preciso, outras porque quero (acho que quero) ou porque me lembraram que gostaram de algo que escrevi. Vivo muitos dilemas, mas um que sempre se faz presente e que transborda o interno do meu ser, que extrapola minha intimidade, invade minha face e joga minhas emoções e sentimentos para fora por meio das minhas ações. É difícil saber quando faço algo para mim ou para os outros, ou pensando no que acharão os outros (do meu agir, de mim), como se uma ação, o ato de escrever ou outra coisa qualquer, pudesse sozinho afirmar ou negar algo sobre mim para os outros. E que a percepção desse outro refletiria na imagem que faço sobre a minha pessoa como se fosse a minha verdade.

Escrevo hoje esses pensamentos em função de uma mistura de coisas, que por vezes parecem um mar tão grande que me perco. E outras tão estreitas que me encolho na pequenez do meu ser. Vivo tentando superar na minha mente a dúvida sobre as razões pelas quais escrevo, escuto, sorrio, acolho etc. Porque sinto que busco constantemente agradar os outros. Tem momentos (muitos) que me vêm à mente rostos, nomes, lembranças e já não sei se o que faço decorre da minha escolha exclusivamente. Tenho a impressão de que nada que faço é livre de motivações externas ou voluntário. Acho não ser possível isolar nossas decisões do resto das pessoas que existem (perto ou distante), daquelas que vemos em redes sociais, na TV, que passaram por nós na rua, que encontramos uma vez e nunca mais vamos encontrar.

Penso que as barreiras que pensamos existir entre o “eu” e os “outros” são mais difusas do que cremos ser. A cada dia percebo como os meus pensamentos sobre mim me levam a pensar minha relação com um “nós” próximo, mas também com o distante e não imaginado. Outro dia me agradeceram por um texto que escrevi e me arrisquei a compartilhar no meu recém criado blog para os meus inexistentes leitores. Uns pensamentos confusos frutos do meu processo terapêutico, que, depois de uma noite de sono agitada, amarrei em frases e parágrafos e que viraram um texto que alegremente intitulei, postei e mandei para minha mãe, minha psicóloga, meu marido e minha cunhada, pessoas que sabia que iriam ler, comentar e, com sorte, me dar uma estrelinha (biscoito!).

Mas nunca me ocorreu que minhas palavras fossem usadas como leitura de sessões de terapia de outras pessoas. Muito menos receber o retorno de que meu texto tocou alguém, ao ponto dessa outra pessoa sentir que foi escrito para ela. E essa identificação de alguém que traduziu as minhas palavras e sentimentos, em vivências dela, conectaram, nem que por um pouco, por uma fração de tempo, nossas vidas. Em meio a existências tão diferentes e desiguais, a possibilidade dessa capacidade de nos encontrar e nos esbarrar em diálogos com os sentimentos dos outros, me traz de volta meu questionamento inicial, sobre porque e para quem escrevo.

E, começo a pensar que uma das respostas (porque penso que pode existir uma variedade delas), é que escrevo para mim, porque quero, mas, também, o faço no desejo de que as reflexões e sentimentos que externalizo cheguem até alguém. A cada momento da vida, aumento a intuição sobre a permeação da vida, que entendo não funcionar como uma fronteira sólida, ou como uma reta constante entre eu e os outros. Acredito hoje (porque amanhã ou depois posso pensar de outra forma) que a vida flutua em linhas curvas, linhas pontilhadas, invisíveis, linhas borradas, e que, nesses instantes de imprevisibilidade, as existências e suas particularidades se cruzam e nesse instante algo se reconhece (queira ou não), nesse momento somos convidados a olhar o “nós” que nos é apresentado. 

E nessas horas em que escrevo sou chamada para perceber que não faço o que faço apenas porque quero, e nem só para mim. E que desejo alcançar a outra, o outro, na expectativa de que, por um instante, possamos nos reconhecer em uma fração de um “nós” que sente, se afeta e consegue olhar além do que o espelho nos deixa ver.  

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